Entrevista: o amor materno

Hoje, o blog apresenta mais uma novidade, como parte das comemorações de 10 anos. A coluna 'Entrevistas'. O primeiro assunto será 'amor materno'. Quem responde a nossa sabatina é a Psicóloga - Especialista em psicologia clínica pela PUC / PR, Andreza Lage.


Seria possível dimensionar na psicologia o amor? É algo, de fato, que transcende, explicações lógicas? É possível explicar, por exemplo, o amor que se sente por um filho?

Andreza Lage: De alguma maneira sim, o amor é considerado um afeto, para a psicanálise um investimento de energia psíquica, um impulso instintivo. O amor tende a funcionar como um modelo de busca da felicidade. Onde projetamos no ser amado aquilo que nos falta, ou seja, uma demanda de amor (afeto) para suprir a falta. Como diria Jacques Allain Miller “Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará a uma verdade sobre si. Ama-se aquele ou aquela que conserva a resposta, ou uma resposta, à nossa questão “Quem sou eu?”.

O amor seria, então, uma tentativa de fazer desaparecer a falta original do desejo. Um exemplo: estou sozinha e preciso de uma pessoa para amar, em seguida se conquisto o meu desejo (um relacionamento), teoricamente não me falta mais nada. No entanto, essa sensação é passageira, se o encontro amoroso proporciona, por um lado, um certo contentamento ao alimentar a ilusão da satisfação, por outro lado, implica sempre um efeito ardil ou uma emboscada, porque basta amar para que o sujeito caia em si e perceba que ainda falta algo, uma vez que na medida em que falta em mim, o outro também sente a mesma falta. A manutenção ou a continuidade desse amor vai depender de ambos quererem estar e continuar juntos. Resumindo, sempre continuamos desejando algo e é natural, faz parte da nossa existência.

O amor materno pode ser explicado pelo laço da mãe com seu filho, é realmente um amor incondicional, a mãe no caso vê na criança uma extensão de si, com isso projeta seus desejos e anseios para com os filhos. Existem variadas formas de expressar o amor materno. Mães que amam naturalmente sem excessos, que tem um cuidado com o filho sem exageros; Mães que amam demasiadamente e atendem demais as expectativas das crianças, Mães que não conseguem perceber o seu amor e nem doar amor ao filho, ficam desnorteadas com a função de ser mãe.

O mundo mudou e novos modelos de famílias estão sendo formados. Seria um exagero dizer que nestas novas famílias também é possível encontrar este 'amor de mãe', incondicional, que se doa, etc.

AL: Não seria exagero algum. É possível, mesmo com as mudanças, encontrar e preservar o amor, isso vai depender das escolhas e da necessidade de cada um. Como eu disse anteriormente, o amor é instintivo e independente da época ele vai existir, o que pode acontecer é uma transformação na forma de doar esse amor.

Ao mesmo tempo, observa-se que a forma de manifestar este amor, e os sentimentos de uma forma geral, tem mudado. Isso tem ocorrido por que motivos você acredita? Stress, mudanças de hábitos....

AL: Acredito que pela mudança do comportamento da sociedade mesmo. O que percebo é que as necessidades individuais estão mais em evidência, as pessoas estão mais preocupadas em atender e ir em busca de seus próprios desejos e objetivos. Porém quando se forma uma família não tem como não pensar e não dividir com o outro as responsabilidades. E para isso, vai precisar abrir mão de algumas coisas. As figuras parentais estão em mudanças. A mãe acumulou funções no decorrer dos anos, além de cuidar dos filhos, muitas vezes também tem que prover o sustento para a família. A sociedade evoluiu de uma certa forma, as famílias não estão presas aos ‘modelos ditos tradicionais’ - protótipo de família pai mãe e filhos. Existem variadas formas e modelos familiares. Não dá para colocar problemas nisso, senão antigamente não teria problemas, reclamações ou discussões sobre o assunto.

E os filhos, por experiência, tem entendido essa mudança, ou ainda sentem falta daquele carinho, estar junto, etc. Manifestação de amor mais tradicional.


AL: Os filhos não tem outro modelo a não ser o atual. Acredito que as crianças, de certa forma, estão conseguindo lidar com essa forma de criação sim. Atualmente temos problemas crescente de ordem comportamental e emocional decorrente da ausência da figura materna e paterna, o que requer maior cuidado e presença por parte dos pais. A influência da família reflete diretamente no desenvolvimento da personalidade da criança, os padrões do comportamento do ambiente em que a criança é criada vai servir de modelo de identificação para a mesma. Exemplo: se ela é tratada com descaso, impaciência e agressividade, ela vai reproduzir isso fora de casa.

Em tempos de tantos conflitos familiares que dica, como profissional, você daria para que os sentimentos sejam mais valorizados e ''este amor de mãe' consiga se arraigar de forma mais interessante nas famílias.

AL:
A maternidade é algo sério, colocar uma criança no mundo não pode ser só por vontade de um ou outro. Tem que estar disposto a se doar e participar efetivamente da criação dos filhos, dando carinho, amor e também repreendendo, pois limites são necessários. Não temos tudo na vida, não é possível substituir amor e falta de tempo por coisas materiais. A criança precisa sentir segurança e saber que pode contar com os pais e isso exige uma demanda dos mesmos, quem cria e educa precisa estar disposto aos percalços do dia a dia. Os pais são os únicos responsáveis pela criação e pelo desenvolvimento dos seus filhos.

OBS: não necessariamente precisa ser mãe mulher a responsável pelo amor materno da primeira infância. Na psicologia consideramos o cuidador a pessoa responsável pela criação e educação da criança. Qualquer um pode exercer esse papel, o que é necessário nisso tudo é que o filho sinta-se amado e seguro no ambiente familiar e que este proporcione o mínimo necessário para seu desenvolvimento.